No trecho: “Pouquíssimas pessoas negras tiveram acesso à escolarização básica, quem dirá àquela de nível superior
Texto 1
As mulheres negras e a ciência no Brasil: “E eu,
não sou uma cientista?”
O título deste texto é uma adaptação
do emblemático discurso da militante negra
ex-excravizada Sojouner Truth em 1851,
numa conferência feminista em Ohio, Estados
Unidos. Neste antológico discurso, Sojouner
problematizava a opressão das mulheres
negras nos Estados Unidos, buscando
explicitar os graus de desumanização dessas
mulheres a ponto de não lhes serem
conferidas as características socialmente
construídas do gênero feminino.
Mas o que que um discurso do século
XIX de uma feminista negra ex-escravizada
estadunidense tem a ver com o histórico das
cientistas negras brasileiras? Acontece que
cientistas negras são mulheres que estão
imersas nos segregadores processos de
subjugação racial que o racismo estrutural
nos impõe em qualquer lugar do mundo.
Mulheres negras, assim como todas as
pessoas oriundas do processo diaspórico de
escravização brasileira, só tiveram a sua
liberdade legal a partir de 1888, quando a
pressão exercida secularmente pelo
movimento quilombola articulada à
necessidade de expansão mercantil do
capitalismo inglês intensificaram o
movimento abolicionista no Brasil, o último
país da América Latina a abolir a escravatura.
Nesse sentido, cabe refletirmos:
tendo o Brasil abolido a escravidão no final
do século XIX, é plausível imaginarmos que
pessoas negras brasileiras tiveram um
processo tardio de acesso a direitos sociais
tais como educação, saúde e moradia, dentre
outros. Assim sendo, a universidade
brasileira, que teve a sua fundação com a
Escola Baiana de Medicina em 1808, foi por
muito tempo uma instituição branca, criada
no contexto da escravização para suprir as
necessidades de uma elite intelectual branca
colonizadora e imperialista.
Pouquíssimas pessoas negras tiveram
acesso à escolarização básica, quem dirá
àquela de nível superior. No contexto da
primeira metade do século XX, enquanto
mulheres brancas lutavam pelos direitos
sufragistas e de trabalharem fora de casa,
mulheres negras trabalhavam nas casas
destas tomando conta dos seus filhos e
filhas, lavando roupa, sendo empregadas
domésticas; sustentavam famílias vendendo
quitutes nos tabuleiros… em um presente
bem distante de um futuro emancipado
academicamente. Nesses termos, mesmo
sabendo dos processos de alterização
negativa que mulheres em geral sofrem na
sociedade, há um descompasso histórico
entre a ausência de privilégios das mulheres
brancas comparadas às mulheres negras que
se perpetuam até os dias de hoje mesmo
com todos os direitos alcançados nos últimos
anos como a PEC das domésticas, como as
cotas raciais, como os programas de combate
à miséria no Brasil.
Infelizmente, essa é uma realidade
que persiste aos dias atuais, mesmo com os
avanços dos últimos anos. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em 2018, apenas 10,4% das mulheres
negras com idade entre 25 a 44 anos
concluem o ensino superior. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), o percentual de
mulheres negras (pretas e pardas) doutoras
professoras de programa de pós-graduação é
inferior a 3%. Segundo uma pesquisa
realizada pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ) em 2015 apenas 7% das bolsas de
produtividade são destinadas a mulheres
negras.
A marginalidade supracitada no
ambiente científico não versa sobre a baixa
capacidade intelectual de mulheres negras,
nem tampouco sobre uma ausência de
propensão genética de mulheres negras à
produção epistêmica, mas sim sobre um
brutal processo social de produção e
reprodução de padrões de subalternidade
cognitivamente e materialmente a nós
impostos.
Nos contaram acerca de uma história
de inferioridade programada da população
negra no mundo nos últimos quatro séculos e
“esqueceram” de nos contar sobre os
milênios de pioneirismo intelectual desses
nossos e nossas ancestrais nas ciências, na
matemática, na filosofia, no desenvolvimento
da escrita, na arquitetura, na medicina etc.
Nos ensinaram uma história negra que
ontologicamente remonta à escravidão,
entretanto “deixaram passar” informações
relevantes, como o fato de a humanidade ter
nascido em África – o verdadeiro velho
mundo –; de uma mulher negra africana,
Merit Ptah (2700 a.C), ser a primeira médica
de que se tem conhecimento; como o fato de
não conhecermos grandes impérios africanos
como Axum, Meroé, Núbia, Numídia, a Terra
de Punt, o Império de Kush, o Império
Ashanti e o Império de Gana, dentre outros.
Concluo informando que é preciso
revisitarmos os porões da nossa história para
darmos vez e voz a narrativas históricas
invisibilizadas, que nos propiciarão uma
descolonização dos padrões do que vem a ser
ciência e do que vem a ser cientista. É
preciso um olhar atento para a história para
compreendermos os passos que nos
conduziram até aqui e para termos
sensibilidade e empatia com essas
existências negadas e inferiorizadas.
Pinheiro, Bárbara Carine Soares. As mulheres negras e a ciência no Brasil: “e eu, não sou uma cientista?”. Disponível em https://www.comciencia.br/as-mulheresnegras-e-ciencia-no-brasil-e-eu-nao-sou-uma-cientista/. Acesso em 5 de abril de 2021. Texto adaptado.
UECE 2021.1 - QUESTÃO 04
No trecho: “Pouquíssimas pessoas negras tiveram acesso à escolarização básica, quem dirá àquela de nível superior” (linhas 43-45), o elemento em destaque sinaliza um fenômeno de
A) informatividade, pois estabelece a carga informativa do texto.
B) coesão sequencial, pois marca a passagem de um trecho a outro do texto.
C) intertextualidade, pois refere-se a outros textos inferidos a partir de indícios.
D) coesão referencial, pois remete à elipse do termo anteriormente expresso.
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GABARITO:
D) coesão referencial, pois remete à elipse do termo anteriormente expresso.
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