MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro?
Para responder às questões de 02 a 08, leia o trecho do drama Macário, de Álvares de Azevedo.
MACÁRIO (chega à janela): Ó mulher da casa! olá! ó de casa!
UMA VOZ (de fora): Senhor!
MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui...
A VOZ: O burro?
MACÁRIO: A mala, burro!
A VOZ: A mala com o burro?
MACÁRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro
na cerca.
A VOZ: O senhor é o moço que chegou primeiro?
MACÁRIO: Sim. Mas vai ver o burro.
A VOZ: Um moço que parece estudante?
MACÁRIO: Sim. Mas anda com a mala.
A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que vá a pé?
MACÁRIO: Esse diabo é doido! Vai a pé, ou monta numa
vassoura como tua mãe!
A VOZ: Descanse, moço. O burro há de aparecer. Quando
madrugar iremos procurar.
OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nhô Quito. Eu
conheço o burro...
MACÁRIO: E minha mala?
A VOZ: Não vê? Está chovendo a potes!...
MACÁRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira
no chão)
O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro?
MACÁRIO: Não vedes? O burro fugiu...
O DESCONHECIDO: Não será quebrando cadeiras que o
chamareis...
MACÁRIO: Porém a raiva...
[...]
O DESCONHECIDO: A mala não pareceu-me muito cheia.
Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de
vinho?
MACÁRIO: Não! não! mil vezes não! Não concebeis, uma
perda imensa, irreparável... era o meu cachimbo...
O DESCONHECIDO: Fumais?
MACÁRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola
sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher – não
me pergunteis se fumo!
O DESCONHECIDO (dá-lhe um cachimbo): Eis aí um cachimbo primoroso.
[...]
MACÁRIO: E vós?
O DESCONHECIDO: Não vos importeis comigo. (tira outro
cachimbo e fuma)
MACÁRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso
nome?
O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso?
MACÁRIO: O caso é que é preciso que eu pergunte primeiro.
Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estúpido, pouco importa. Duas palavras só: amo o
fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio
o romantismo.
O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam
a mão)
MACÁRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um
poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento,
às noites límpidas, acho isso sumamente insípido. Os
passarinhos sabem só uma cantiga. O luar é sempre o
mesmo. Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono.
O DESCONHECIDO: E a poesia?
MACÁRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela
mão do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de
cobre; não há mendigo, nem caixeiro de taverna que não
tenha esse vintém azinhavrado¹. Entendeis-me?
O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo fá-la... para ninguém...
(Álvares de Azevedo. Macário/Noite na taverna, 2002.)
UNESP 2022 - QUESTÃO 04
“MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui...
A VOZ: O burro?
MACÁRIO: A mala, burro!
A VOZ: A mala com o burro?
MACÁRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca.”
Para produzir o efeito cômico desse diálogo, o autor lança mão do recurso expressivo denominado
(A) antítese: a oposição, numa mesma expressão ou frase, de duas palavras ou de dois pensamentos de sentidos contrários.
(B) eufemismo: o emprego de palavra ou expressão no lugar de outra palavra ou expressão considerada desagradável.
(C) hipérbole: a ênfase resultante do exagero na expressão ou na comunicação de uma ideia.
(D) ambiguidade: a presença, num texto, de unidades linguísticas que podem significar coisas diferentes.
(E) personificação: a atribuição de características humanas a seres inanimados ou irracionais.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
(D) ambiguidade: a presença, num texto, de unidades linguísticas que podem significar coisas diferentes.
RESOLUÇÃO:
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PRÓXIMA QUESTÃO:
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