O enunciado “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não se viam /
Filosofia Africana e Saberes Ancestrais Femininos: útero do mundo
Um dia, quando ainda morava no sertão cearense, a menina que me habita acreditou que a filosofia fosse possibilidade de construir pensamentos e práxis de libertação, onde a pluralidade de saberes, de culturas, de povos fosse fonte para suas tessituras. Entretanto, ao chegar à Universidade,encontrei uma filosofia sem poéticas de libertação, patriarcal e racista! No pensamento universal apresentado nas histórias da filosofia, nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras “disciplinas”, não se viam / conheciam filosofias negras, femininas… ou seja, o pensamento ocidental se instituía como universal, colocando os povos africanos e seus descendentes à margem do pensamento. Dizia-se que só era (é) possível filosofar em alemão! E esse alemão é branco, masculino e heteronormativo.
O desencantamento do mundo provocado pela filosofia que se aprende nas universidades me levou a um questionamento que mudou todo o meu percurso e acabou por me trazer, finalmente, o encantamento do mundo… Perguntei-me: como será a filosofia em África? Como filosofar em “pretuguês”, como nos ensina a pensadora Lélia Gonzalez?
A filosofia africana traz encantamento. É vital tornar visível o pensamento africano, afrorreferenciado. Compreendo que a(s) filosofia(s) africana(s), africano-brasileira, afrorreferenciada, implica(m) a busca do rompimento com a colonialidade, que não acabou com o fim das diversas colonizações de países europeus no continente africano e no Brasil. Implica a valorização e reconhecimento de nossos saberes, de nossas culturas, de nossas filosofias, de nossos corpos. Reconhecimento de nossas escrevivências. Pois, como nos ensina Conceição Evaristo, nada nasce imune ao que somos, às nossas vivências e experiências. Negar nossas escrevivências é seguir negando nossas filosofias, nossos saberes produzidos por corpos vivos, produtores de conhecimentos.
Quero seguir o texto dialogando com os saberes ancestrais femininos; dialogando com a filosofia africana desde e com vozes de mulheres e do feminino que habita em todas as pessoas. Esses saberes se apresentam como fonte de potencialização de nossas existências, de pertencimento, de ancestralidade e de encantamento.
Partindo dessa perspectiva, cada pessoa é constituída pelas energias femininas e masculinas. É importante trabalharmos para mantê-las em harmonia. Entretanto, é a energia feminina que contém a cabaça da existência, cabaça que gera, cria, co-cria. O feminino é o útero do mundo, potência da vida comunitária, coletiva, pautada pela justiça e pelo bem viver. Carregamos toda uma ancestralidade que nos permite ser, existir, resistir, re-existir. Assim, somos ancestrais; nossos corpos são ancestrais e, portanto, sagrados. Desse modo, nossa existência só é possível em contato com a natureza. Sem ela não somos. A ancestralidade é a natureza. Os saberes ancestrais femininos nos ensinam que devemos voltar à terra, pois ela é o centro da vida. Voltarmos ao centro da terra é ouvirmos nossa ancestralidade e nos encantarmos com essa escuta, uma escuta sensível que tece nosso ser-tão. É a escuta de nosso útero.
A escuta sensível se inicia com a escuta de nossa intimidade, portanto, de nossa ancestralidade, de nossos corações. Essa escuta privilegia o corpo como produtor de sentidos, de conhecimentos, corpo ancestral. Assim re-conhecemos suas singularidades diante do coletivo que permite nossa existência. Nosso corpo é suporte de nossas vivências, experiências e sabedorias, de nossos sentidos; ele cria textualidades, reinventando a vida, potencializando o encantamento.
Os saberes ancestrais femininos são tecidos pelo conhecimento de nossa natureza, da natureza que há em nós, conhecimento de nossos ciclos, da nossa potência criativa, do nosso poder de permitir e potencializar a vida. Os saberes ancestrais femininos são a escuta da água que há em nosso útero, pois é escuta de nossa ancestralidade.
As filosofias da ancestralidade e do encantamento que tecem as filosofias africanas são bordadas pelo pertencimento. Pertencimento é construção, formação e escuta uterina e, assim, descoberta do que está inscrito em nosso íntimo; é ouvir o ritmo de nossos corações. É entender nosso eu interior e compreender o mundo, a vida desde esse pertencimento que é coletivo, enraizado, que é ser-tão. Definimos nossa existência pelo comunitarismo e pela justiça social, ou seja, pela ancestralidade e pelo encantamento.
Os saberes ancestrais femininos propõem que nos autorizemos a contar nossas histórias, a construí-las, reconstruí-las, contar sobre nossos valores, nossos saberes, nossas lógicas de pertencimento, de sociedade, de partilha, contar sobre nós mesmas, desde nossas escrevivências. Filosofar anunciando, resistindo, re-existindo, em um desafio cotidiano de descolonização, desconstruções, transformAções e encantamento! Aprender a ouvir / sentir / conhecer / filosofar de corpo inteiro, desde o chão que pisamos e que nos fortalece, é enraizar-se. O enraizamento é um movimento de expansão, fixação, movimento e profundidade, absorção da água para manter a energia vital… não há vida sem a água. O feminino é o útero, a cabaça, a água que permite a existência.
MACHADO, Adilvênia Freire. Filosofia Africana e Saberes Ancestrais Femininos: útero do mundo.
Disponível em: https://diplomatique.org.br/filosofia-africana-e-saberes-ancestrais-
femininos-utero-do-mundo/ Acesso em: 06 nov. 2020. (Adaptado)
UEG 2021 - QUESTÃO 06
O enunciado “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não se viam / conheciam filosofias negras, femininas” (linhas 5-6), ao ser convertido para a voz passiva analítica, sem prejuízo de sentido, assume a seguinte forma, mantendo-se o modo e o tempo verbal:
a) “as metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não seriam vistas / conhecidas nas filosofias negras, femininas”.
b) “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não eram vistas / conhecidas filosofias negras, femininas”.
c) “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, filosofias negras, femininas ainda não tinham sido vistas / conhecidas”.
d) “as metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não viam / conheciam filosofias negras, femininas”.
e) “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não se verão / conhecerão filosofias negras, femininas”.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
b) “nas metafísicas, éticas, teorias do conhecimento, dentre outras ‘disciplinas’, não eram vistas / conhecidas filosofias negras, femininas”.
RESOLUÇÃO:
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PRÓXIMA QUESTÃO:
- O termo “entretanto” (linha 3) estabelece, entre as partes do texto que liga, uma relação semântica
QUESTÃO DISPONÍVEL EM: