Texto para as questões 33 e 34 . A infinita fiandeira Mia Couto (do livro O fio das missangas) A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso...
Texto para as questões 33 e 34.
A infinita fiandeira
Mia Couto (do livro O fio das missangas)
A aranha ateia
diz ao aranho na teia:
o nosso amor
está por um fio.
A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para que tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação?
Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
– Não faço teias por instinto.
– Então, faz por quê?
– Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
– Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?
E o pai:
– Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
– Estamos recebendo queixas do aranhal.
– O que é que dizem, mãe?
– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime.
Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
– Faço arte.
– Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.
UNITINS 2022.1 - QUESTÃO 34
Avalie as afirmações a seguir e coloque V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas.
I. Em fragmentos, como por exemplo: “Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia”, ao citar os verbos de ação de maneira repetida e reforçada, o texto enaltece o afã da aranhinha na sua luta pela produção de arte a fim de repaginar o mundo, em oposição ao trabalho utilitário das demais aranhas.
II. Os pais da aranhinha e a comunidade onde ela vivia apoiaram-na como um ser diferente, por isso arranjaram um namorado para ela, além de consultarem o Deus dos bichos. E, finalmente, ela encontrou seu lugar como artista.
III. O vocábulo “distraiçoeiras” é um neologismo criado pelo autor a fim de chamar atenção para a característica incomum da aranhinha. Essa prática é relativamente comum na escrita de textos literários.
IV. O texto de Mia Couto questiona o lugar da arte e do artista na sociedade de excessivo consumo de bens utilitários. A estratégia de colocar uma aranha como personagem destaca ainda mais a questão relacionada aos seres humanos.
V. No fragmento “A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor”, o primeiro verbo está no pretérito perfeito do indicativo; o segundo verbo está no infinitivo pessoal; o terceiro verbo está no pretérito imperfeito do indicativo; e o último verbo está no futuro do presente do indicativo. Eles revelam que a aranha preservou o namorado e rompeu as expectativas dos pais.
VI. O autor faz escolhas linguísticas e lexicais na construção do texto. Quanto à formação de palavras escolhidas, os vocábulos “aranhiça” e “aranhal” são formados por sufixo; o vocábulo “desiludida” é formado por prefixo; e o vocábulo “infelizmente” é formado por prefixo e sufixo.
Marque a sequência correta, de cima para baixo.
A) V, V, F, V, V e F.
B) V, F, V, V, F e V.
C) F, V, V, V, F e V.
D) V, F, V, V, F e F.
E) F, F, V, F, V e V.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
B) V, F, V, V, F e V.
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