Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram
Leia o texto para responder às questões de 26 a 28.
Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? [...]
Sempre ao lado de minha mãe, aprendi a conhecê-la. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia reconhecer, em seus gestos, prenúncios de possíveis alegrias. Naquele momento, entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os seus olhos. [...]
Eu me lembrava de algumas histórias da infância de minha mãe. [...] Às vezes, as histórias de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As labaredas, sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome, pareciam debochar do vazio do nosso estômago, ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida. E era justamente nesses dias de parco ou nenhum alimento que ela mais brincava com as filhas.
Nessas ocasiões a brincadeira preferida era aquela em que a mãe era a Senhora, a Rainha. Ela se assentava em seu trono, um pequeno banquinho de madeira. Felizes, colhíamos flores cultivadas em um pequeno pedaço de terra que circundava o nosso barraco.
E foi então que, tomada pelo desespero por não me lembrar de que cor seriam os olhos de minha mãe, naquele momento resolvi deixar tudo e, no dia seguinte, voltar à cidade em que nasci. [...]
E quando, após longos dias de viagem para chegar à minha terra, pude contemplar extasiada os olhos de minha mãe, sabem o que vi? Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz. Mas eram tantas lágrimas, que eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face. E só então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas.
Por isso, prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água. [...]
Conceição Evaristo, Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas – Fundação Biblioteca Nacional, 2016.
FATEC 2022 - QUESTÃO 26
A trajetória de vida da narradora-personagem é marcada pela fome, diante da qual a mãe utilizava brincadeiras para distrair as filhas, gerando no texto uma oposição poética entre a ausência (de alimentos) e a abundância (de imaginação).
Assinale a alternativa em que as expressões representam, respectivamente, o contraste exposto.
(A) “silêncio nas horas” e “cheia de culpa” (2.º parágrafo)
(B) “sonho de comida” e “flores cultivadas” (3.º parágrafo)
(C) “assentava em seu trono” e “cheia de fome” (3.º parágrafo)
(D) “cheiro algum” e “mãe era a Senhora, a Rainha” (3.º parágrafo)
(E) “flores cultivadas” (3.º parágrafo) e “rios caudalosos” (6.º parágrafo)
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
(D) “cheiro algum” e “mãe era a Senhora, a Rainha” (3.º parágrafo)
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