Leia o texto e a nota. Se é verdade que os «Modernistas» portugueses são todos singulares, que não têm uma poética comum e se movem entre um...
Leia o texto e a nota.
Se é verdade que os «Modernistas» portugueses são todos singulares, que não têm uma poética comum e se movem entre uma vanguarda sem decálogo e um simbolismo requintado, essa singularidade é sobretudo evidente em Almada Negreiros.
Se Mário de Sá-Carneiro é um autor, Fernando Pessoa, vários autores, e Santa Rita Pintor, uma personagem, Almada Negreiros é um ator. Ele toma diferentes posições, corresponde a diferentes lógicas estéticas, é cada vez mais, ao longo da sua obra, «aquele que representa», sem se concretizar num género ou numa arte única. Cito uma descrição de Rui Mário Gonçalves: «Almada foi poeta, romancista, dramaturgo, cronista, pensador e polemista; foi também desenhador, caricaturista, pintor, retratista, vitralista, muralista, azulejista, figurinista, tapeceiro, gravador e geómetra.»1 E, deve acrescentar-se, bailarino e conferencista. No todo, a arte do espetáculo, a unidade do ator.
Almada Negreiros é tão importante na história da literatura como na da pintura em Portugal, e cada uma das artes é nele apenas um aspeto. Porque, quando diz de si que é um pintor, a palavra quer dizer poeta, e vice-versa. Sucede isso no Orpheu 1, em que assina os seus poemas em prosa como «desenhador», e depois em A Invenção do Dia Claro, que é, além de uma conferência proferida em Lisboa em 1921, um livro de poemas e um conjunto de «ensaios para a iniciação de portugueses na revelação da pintura». Tudo ao mesmo tempo, e sem que a escolha seja exclusiva. Outros exemplos são a configuração da conferência como um género teatral e do desenho como uma espécie de filosofia, como manifesta com toda a evidência o painel Começar no átrio da Fundação Gulbenkian.
Muda os materiais, troca de lugar as fronteiras, redistribui os signos, deixa correr a mesma energia por entre os frescos nas Gares Marítimas, as páginas escritas e desenhadas da Histoire du Portugal par Cœur, as ilustrações de dezenas de livros e artigos de jornal em Portugal e em Espanha, as cenas de teatro em espaços imaginários mas construídos com exatidão, como no caso da edição de Deseja-se Mulher, as suas narrativas com uma vocação realista exemplar, e todas dedicadas ao jogo dos efeitos de surpresa, entre as quais se conta um romance de dimensão única na ficção portuguesa moderna: Nome de Guerra, longa viagem ao interior da cabeça de um homem que aprende a viver. Passa ainda por tapeçarias decorativas como quem experimenta rimas, e os seus arlequins conhecem Picasso como as próprias mãos.
Dizemos, com ele, que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas: «Os versos são um modo de perpetuação de um dos modos da criação que se chama Poesia.»
(Conferência Poesia É Criação, de 1962). Assim sendo, a ilustração de um livro, a banda desenhada num jornal, o diálogo, o conto, o artigo, a entrevista são poesia também. Tal como é poesia, num certo sentido almadiano da palavra, a coreografia de um espetáculo ou um painel em baixo-relevo.
Fernando Cabral Martins, «Almada Negreiros», in O Cânone, edição de António M. Feijó,
João R. Figueiredo e Miguel Tamen, Lisboa, Tinta da China, 2020, pp. 67-68.
NOTA
¹Verbete sobre a obra de Almada Negreiros, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Caminho, 2008, p. 515.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 04
De acordo com o quarto parágrafo, a conceção de Poesia defendida por Almada Negreiros
(A) valoriza a perpetuação de formas poéticas tradicionais.
(B) desconstrói a definição clássica de produção poética.
(C) perspetiva certas manifestações artísticas como superiores a outras.
(D) preconiza uma sistemática associação entre a palavra escrita e a imagem.
SOLUÇÃO:
(B) desconstrói a definição clássica de produção poética.
PRÓXIMA QUESTÃO:
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