Uma só coisa me maravilha mais do que a estupidez com que a maioria dos homens vive a sua vida: é a inteligência
Texto abaixo para as questões de 15 a 18:
Autobiografia sem fatos
(Fragmento do trecho 171)
Uma só coisa me maravilha mais do que a estupidez com que a maioria dos homens vive a sua vida: é a inteligência que há nessa estupidez.
A monotonia das vidas vulgares é, aparentemente, pavorosa. Estou almoçando neste restaurante vulgar, e olho, para além do balcão, para a figura do cozinheiro, e, aqui ao pé de mim, para o criado já velho que me serve, como há trinta anos, creio, serve nesta casa.
Que vidas são as destes homens? Há quarenta anos que aquela figura de homem vive quase todo o dia numa cozinha; tem umas breves folgas; dorme relativamente poucas horas; vai de vez em quando à terra, de onde volta sem hesitação e sem pena; armazena lentamente dinheiro lento, que se não propõe gastar; adoeceria se tivesse que retirar-se da sua cozinha (definitivamente) para os campos que comprou na Galiza; está em Lisboa há quarenta anos e nunca foi sequer à Rotunda, nem a um teatro, e há um só dia de Coliseu - palhaços nos vestígios interiores da sua vida.
Casou não sei como nem porquê, tem quatro filhos e uma filha, e o seu sorriso, ao debruçar-se de lá do balcão em direção a onde eu estou, exprime uma grande, uma solene, uma contente felicidade. E ele não disfarça, nem [há] razão para que disfarce. Se a sente é porque verdadeiramente a tem.
E o criado velho que me serve, e que acaba de depor ante mim o que deve ser o milionésimo café da sua deposição de café em mesas? Tem a mesma vida que a do cozinheiro, apenas com a diferença de quatro ou cinco metros - os que distam da localização de um na cozinha para a localização do outro na parte de fora da casa de pasto. No resto, tem dois filhos apenas, vai mais vezes à Galiza, já viu mais Lisboa que o outro, e conhece o Porto, onde esteve quatro anos, e é igualmente feliz.
(PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto
por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.
Organização e introdução de Richard
Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.)
ESPM 2022 - QUESTÃO 15
Segundo o texto:
a) o criado velho que serve café é, certamente, mais feliz do que o cozinheiro, já que aquele tem menos filhos do que este, vai mais vezes à Galiza, conhece melhor Lisboa e já esteve em Porto quatro vezes.
b) mesmo tendo breves folgas e dormindo pouco, o cozinheiro não disfarça sua felicidade, que verdadeiramente a tem, uma vez que consegue armazenar lentamente seu dinheiro.
c) uma vida vulgar se torna monótona, sobretudo para quem substitui o lazer e os prazeres culturais pelo trabalho repetitivo.
d) o encantamento do autor dá-se não somente pela estupidez das vidas vulgares, mas, principalmente, pela inteligência que diz reconhecer nesse estado de espírito da maioria dos homens.
e) os homens passam a ter uma existência medíocre, pois deixam de desfrutar os momentos felizes, em função do trabalho excessivo e da busca do acúmulo de bens.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
d) o encantamento do autor dá-se não somente pela estupidez das vidas vulgares, mas, principalmente, pela inteligência que diz reconhecer nesse estado de espírito da maioria dos homens.
RESOLUÇÃO:
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PRÓXIMA QUESTÃO:
- No texto, todas as ocorrências de numerais apresentam sentido denotativo, com exceção da passagem:
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