Texto 2 Da solidão Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão. Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se manifeste aos s...
Texto 2
Da solidão
Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão.
Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se
manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para
que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do
céu desabasse sobre sua cabeça, como se dos horizontes
se levantasse o anúncio do fim do mundo.
No entanto, haverá na terra verdadeira solidão?
Não estamos todos cercados por inúmeros objetos, por
infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular
não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios,
de ideias, que impedem uma total solidão?
Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora
com vida e voz que não são humanas, mas que podemos
aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem
secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como
aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros,
podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse
aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos
enriquecidos.
Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos
à procura de ângulos, jogos de luz, eloquência de formas,
para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais
estático dos seus aspectos, mas também o mais
comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de
transmitir aquilo que excede os limites físicos desses
objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua
alma.
Façamo-nos também desse modo videntes:
olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das
cadeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos
tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a
beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a
graça das proporções: muitas vezes seu aspecto – como o
das criaturas humanas – é inábil e desajeitado. Mas não é
isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que
tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a
carga de experiências que representam, e a repercussão,
nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis
séculos.
Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas
variadas coisas, já que, por egoístas que somos, não
sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos.
Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis,
quando começavam a descobrir o mundo: as nervuras das
madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas e
horizontes; o desenho dos azulejos; o esmalte das louças;
os tranquilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da
água que corre, os sons das máquinas, a inquieta voz dos
animais, que desejaríamos traduzir.
Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever
de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa
infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram
seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências.
A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa
o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos
de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado,
presente, futuro, pelo qual transitamos atentos ou
distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com
violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso
respeito; que espera que o descubramos, sem anunciar
nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre
ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da
sua presença um anúncio exigente " Estou aqui! estou
aqui! ". Mas, concentrado em sua essência, só se revela
quando os nossos sentidos estão aptos para descobrirem.
E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia,
generosa e invisível.
Oh! se vos queixais de solidão humana, prestai
atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a
essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que
conversará convosco interminavelmente.
MEIRELES, Cecília. Da solidão. In: MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. São
Paulo: Global, 2016, pp. 71-74.
UECE 2023.1 - QUESTÃO 09
No texto 2, o eu lírico demonstra sentir-se
A) eufórico, porque está diante de uma descoberta acerca de um fato da vida.
B) entediado, porque se encontra sem saída ante as situações cotidianas.
C) melancólico, porque estabelece uma relação íntima do homem com suas inquietações.
D) aliviado, porque todas as dúvidas e angústias existenciais foram sanadas.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
C) melancólico, porque estabelece uma relação íntima do homem com suas inquietações.
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