Embora tivesse grande respeito pelas ideias de Mário de Andrade, Drummond não aderiu sem reservas
FUVEST 2023 - QUESTÃO 10
Leia os fragmentos e responda à questão:
I.
(...) No Minha terra tem palmeiras, nome admirabilíssimo que eu invejo, há poemas excelentes e muita coisa boa. Mas como você ainda está muito inteligente de cabeça pra cair no lirismo, repare que há muita coisa que é contada com memória em vez de vivida com sensação evocada. Disso um tal ou qual elemento prosaico que diminui a variedade do verso livre porque o confunde com a prosa. Todos nós temos isso.
Mário de Andrade – carta de 1924 a Carlos Drummond de Andrade, recolhida em A Lição do amigo.
II.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
(...)
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias – Primeiros cantos.
III.
EUROPA, FRANÇA E BAHIA
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.
(...)
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.
(...)
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a “Canção do exílio”.
Como era mesmo a “Canção do exílio”?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!
Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia.
a) Embora tivesse grande respeito pelas ideias de Mário de Andrade, Drummond não aderiu sem reservas ao nacionalismo literário do amigo. Isso pode explicar a troca do título do livro Minha terra tem palmeiras por Alguma poesia? Comente a sua resposta.

b) De acordo com Mário de Andrade, o senso crítico afasta Drummond da poesia mais sentimental. A partir dessa nota, analise a diferença entre a visão romântica da “Canção do exílio” e a visão moderna de “Europa, França e Bahia”.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO E RESOLUÇÃO.
a) O papa do Modernismo, Mário de Andrade, tinha um projeto amplo em relação à realidade e à arte brasileiras. Isso é exemplificado na rapsódia Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, e em muitos de seus ensaios. Embora haja um nacionalismo crítico, a obra de Mário de Andrade tem abrangência e caráter de tentar definir um modo de ser e de falar no Brasil. O livro de estreia de Drummond, embora seja dedicado a Mário de Andrade, e incorpore o nacionalismo crítico, vai além ao abordar a província, a inadaptação do eu lírico à cidade e ao mundo rural. Há um estilo mais sintético, com certa autodepreciação irônica, sugerida já no título, Alguma Poesia, pretensa mente humilde, preferível ao Minha Terra tem palmeiras, que remete ao ufanismo desmedido do Romantismo.
b) O poema “Canção do exílio” tornou-se célebre representante do nacionalismo do movimento romântico brasileiro, cuja postura idealizava a fauna, a flora do País (e os povos originários, em outros textos). Em “Europa, França e Bahia”, o eu lírico sonha exotismos, mencionando, ainda que com imagens depreciativas, o que é estrangeiro, referente à cultura francesa. Ao se entediar com esse exotismo, o eu poemático procura retomar o ícone do nacionalismo, “Canção do exílio”, mas, inicial mente, parece ter esquecido esses versos ufanistas. Esse momentâneo lapso e a interjeição “Ai” amenizam muito o estilo elogioso que há em Gonçalves Dias; resta apenas uma lembrança um tanto apática e também irônica em relação à realidade brasileira. Esse tom de humor sombrio é recorrente em Alguma Poesia.
PRÓXIMA QUESTÃO:
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