O romance Lucíola, de José de Alencar, relata cenas da vida de uma mulher que se tornou cortesã, no século XIX
Texto II
Lucíola
Lúcia não disse mais palavra; parou no meio do aposento, defronte de mim.
Era outra mulher.
O rosto cândido e diáfano, que tanto me impressionou à doce claridade da lua, se transformara completamente: tinha agora uns toques ardentes e um fulgor estranho que o iluminava. Os lábios finos e delicados pareciam túmidos dos desejos que incubavam. Havia um abismo de sensualidade nas asas transparentes da narina que tremiam com o anélito do respiro curto e sibilante, e também nos fogos surdos que incendiavam a pupila negra.
A suave fluidez do gesto meigo sucedeu a veemência e a energia dos movimentos. O talhe perdera a ligeira flexão que de ordinário o curvava, como uma haste delicada ao sopro das auras; e agora arqueava enfunando a rija carnação de um colo soberbo, e traindo as ondulações felinas num espreguiçamento voluptuoso.
Às vezes um tremor espasmódico percorria-lhe todo o corpo, e as espáduas se conchegavam como se um frio de gelo a invadira de súbito; mas breve sucedia a reação, e o sangue abrasando-lhe as veias, dava à branca epiderme reflexos de nácar e às formas uma exuberância de seiva e de vida, que realçavam a radiante beleza.
Era uma transfiguração completa.
Enquanto a admirava, a sua mão ágil e sôfrega desfazia ou antes despedaçava os frágeis laços que prendiam-lhe as vestes. A mais leve resistência dobrava-se sobre si mesmo como uma cobra, e os dentes de pérola talhavam mais rápidos do que a tesoura o cadarço de seda que lhe opunha obstáculos. Até que o penteador de veludo voou pelos ares, as tranças luxuriosas dos cabelos negros rolaram pelos ombros arrufando ao contato a pele melindrosa, uma nuvem de rendas e cambraias abateu-se a seus pés, e eu vi aparecer aos meus olhos pasmos, nadando em ondas de luz, no esplendor de sua completa nudez, a mais formosa bacante que esmagara outrora com o pé lascivo as uvas de Corinto.
Saí alucinado!
Fora delírio, convulsão de prazer tão viva que, através do imenso deleite, traspassava-me uma sensação dolorosa, como se eu me revolvera no meio de um sono opiado, sobre um leito de espinhos. É que as carícias de Lúcia vinham impregnadas de uma irritabilidade que cauterizava. [...]
De repente surgiu lívida, e estendeu-me a mão aberta. Ouvi uma palavra soluçada, voz opressa, que não entendi, mas adivinhei.
Imagine qual revolução houve em mim; e a profunda indignação com que me precipitei sobre minha carteira para atirá-la à face dessa mulher. Mas ela reteve-me com a força sobre-humana que lhe davam as contrações nervosas.
— Estava gracejando-me! Não é assim que me queria?
E soltou uma gargalhada.
ALENCAR, J. Lucíola. SP: Melhoramentos, 2012. cap. IV.
FMP 2022 - QUESTÃO 10
O romance Lucíola, de José de Alencar, relata cenas da vida de uma mulher que se tornou cortesã, no século XIX, premida por necessidades financeiras.
A passagem apresentada no Texto II revela a inserção dessa obra no conjunto do Romantismo brasileiro porque retrata
(A) o amor como o único meio de redimir todos os males, por meio da aproximação entre as personagens.
(B) a heroína romântica, idealizada, que se transforma em mulher fatal, em uma visão dicotômica entre o amor espiritual e o amor físico.
(C) o contexto de uma sociedade em transformação, que valoriza o dinheiro em detrimento dos sentimentos pessoais.
(D) a mulher associada a atitudes que revelam ambição e fragilidade de caráter, além de submissão ao elemento masculino.
(E) os amores impossíveis e as intrigas amorosas reveladoras dos preconceitos nas altas camadas sociais brasileiras.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
(B) a heroína romântica, idealizada, que se transforma em mulher fatal, em uma visão dicotômica entre o amor espiritual e o amor físico.
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