Leia as afirmações seguintes, retiradas do texto de Ailton Krenak, para responder a pergunta.
Leia fragmentos do texto de Ailton Krenac para responder as questões 33 e 34.
O Amanhã não está à venda
Autor: Ailton Krenak
(Texto escrito em 09 de out. 2020)
Parei de andar mundo afora, cancelei compromissos. Estou com a minha família na aldeia Krenak, no médio rio Doce (MG). Há quase um mês, nossa reserva indígena está isolada. Quem estava ausente regressou, e sabemos bem qual é o risco de receber pessoas de fora. Sabemos o perigo de ter contato com pessoas as sintomáticas. Estamos todos aqui e até agora não tivemos nenhuma ocorrência. A verdade é que vivemos encurralados e refugiados no nosso próprio território há muito tempo, numa reserva de 4 mil hectares — que deveria ser muito maior se a justiça fosse feita –, e esse confinamento involuntário nos deu resiliência, nos fez mais resistentes. Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês num apartamento numa grande metrópole o que é o meu isolamento? Desculpem dizer isso, mas hoje já plantei milho, já plantei uma árvore […].
Faz algum tempo que nós, na aldeia Krenak, já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse outro luto. Está todo mundo parado. Quando engenheiros me disseram que iriam usar a tecnologia para recuperar o rio Doce, perguntaram a minha opinião. Eu respondi: “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida”. Então um deles me disse: “Mas isso é impossível”. O mundo não pode parar. E o mundo parou.
Vivemos hoje esta experiência de isolamento social, como está sendo definido o confinamento, em que todas as pessoas têm de se recolher. Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. Assistimos a uma tragédia de gente morrendo em diferentes lugares do planeta, a ponto de na Itália os corpos serem transportados para a incineração em caminhões.
Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano. É como se tivéssemos várias crianças brincando e, por imaginar essa fantasia da infância, continuassem a brincar por tempo indeterminado. Só que viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades. De modo que há uma sub-humanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela — e isso também foi naturalizado [...].
Esse vírus está discriminando a humanidade. Basta olhar em volta. O melão-de-são-caetano continua a crescer aqui do lado de casa. A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise [...].Michel Foucault tem uma obra fantástica, Vigiar e punir na qual afirma que essa sociedade de mercado em que vivemos só considera o ser humano útil quando está produzindo. Com o avanço do capitalismo, foram criados os instrumentos de deixar viver e de fazer morrer: quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa. Ou você produz as condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer [...].
Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. Depois disso tudo, as pessoas não vão querer disputar de novo o seu oxigênio com dezenas de colegas num espaço pequeno de trabalho. As mudanças já estão em gestação. Não faz sentido que, para trabalhar, uma mulher tenha de deixar os seus filhos com outra pessoa. Não podemos voltar àquele ritmo, ligar todos os carros, todas as máquinas ao mesmo tempo. Seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos devorando. Aí, sim, teremos provado que a humanidade é uma mentira.
Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/krenak-o-
-amanha-nao-esta-a-venda/. Acesso em: 31 mar. 2021.
UNITINS 2021.2 - QUESTÃO 34
Leia as afirmações seguintes, retiradas do texto de Ailton Krenak, para responder a pergunta.
I. Em “parei de andar mundo afora, cancelei compromissos”, temos um período composto por coordenação com duas orações assindéticas.
II. A oração “mas ninguém mais presta atenção”, é coordenada sindética adversativa.
III. No trecho “ou você produz as condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer”, o conectivo “ou” / “ou” evidencia que há alternância entre as opções disponíveis e “para” estabelece sentido de finalidade.
IV. No trecho “é como se tivéssemos várias crianças brincando”, o verbo em destaque está na forma nominal particípio.
V. Em “faz algum tempo que nós, na aldeia Krenak, já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse outro luto”, o termo destacado, “nós”, funciona como sujeito composto; e a expressão em destaque “esse outro luto” é um objeto indireto que se refere ao verbo “traria”.
É correto o que se afirma em:
A) II e V, apenas.
B) I e IV, apenas.
C) I, II e III, apenas.
D) III, IV e V, apenas.
E) I, II, III, IV e V.
QUESTÃO ANTERIOR:
GABARITO:
C) I, II e III, apenas.
RESOLUÇÃO:
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